Um Pântano, Uma Amiga Bióloga e Um Jovem Desconhecido
O Pântano Okefenokee me parecia muito mais belo visto pessoalmente do que nas fotos de meu velho livro de biologia. Fiquei muito feliz de não ter recusado o convite de minha amiga, e mesmo não sendo estudante de biologia, ter embarcado nesta excursão. O objetivo de minha amiga Ana era um só, tirar fotos dos lírios que o pântano exibia, mas ela achava graça de fotografas cada mínima planta carnívora ou florzinha que víamos pelo caminho.
Junto conosco seguiam no basco mais cinco companheiros de turma da Ana, a professora dela, Martha, uma mulher muito espirituosa, e um guia que falava apenas inglês. Achei engraçado que cada coletava um tipo de informação. Martha estava interessada em catalogar aves, Ana em lírios, os outros estudantes em coisas das mais diversas como algas, anfíbios ou insetos. Como não sou biólogo, estava com meu bloco na mão, e desde nossa chegada já tinha produzido três poemas e um pequeno conto sobre o amanhecer no pântano.
Não demorou muito a um dos jovens do barco nos fazer parar para tirar fotos de um crocodilo, outro logo mais a frente por uma aranha. Isso para não comentar as mini-aulas que a professora oferecia a respeito das garças e seu comportamento natural. Eu estava entediado disso tudo, a ponto de perder minha inspiração poética. Peguei a prancheta e comecei a esboçar um desenho da paisagem. As arvores com galhos largos de folhas longas davam um ótimo acabamento, mesmo no desenho apenas a lápis.
No barco, porem um pouco mais à frente, eu notei um garoto que parecia tão entediado quanto o meu. Um jovem de pele bronze e cabelos castanho-escuros olhava para a água como se não visse nada de belo no lugar. Parei para observado por mais alguns instantes, mas nem um movimento se quer... Não podia perder uma chance como aquela. Desenhar um modelo parado era mais fácil que desenhar arvores com o barco se movendo. Troquei a folha e pus-me as traçar os contornos do jovem rapaz. As sobrancelhas eram suaves, porem largas, como se tivessem sido cautelosamente ajustadas ao rosto. As formas brutas do contorno do rosto eram amenizadas pela ausência de barba e aparente pouca idade. Os olhos eram profundos como o rio e... E estavam virados na minha direção!!! Seu idiota!!! Como pode desenhar o rapaz e nem reparar se ele estava te olhando!
Agora já era tarde, sorri e continuei. Mais alguns traços e o desenho estava concluído, na verdade, tinha ficado muito melhor que eu poderia imaginar. Eu o guardei em minha bolsa e me virei para outro lado como se nada tivesse acontecido. Não demorou muito e Ana veio se assentar ao meu lado. Estava sorrindo. Tive que a perguntar que havia acontecido, por um instante achei que tivesse visto um lírio do pântano. Ela no entanto preferiu me dar um abraço e me dar uma seção de cócegas que sabe que me derrubam sem nem pensar duas vezes.
Mais duas horas se passaram, mas paramos tantas vezes que achei que tinha passado uma eternidade. O sol já estava se pondo, típico nas noites de fim de ano, e a professora Martha achou melhor acharmos um lugar para acampar. Apesar do guia insistir que deveríamos tentar dormir no barco, a equipe achava muito útil dormir no meio do vegetação, para poderem observar o comportamento da biomassa durante a noite. Na verdade, acho que a coisa que eles menos queriam era dormir. Mais alguns minutos e encontramos uma pastagem pequena na beira do rio, pequena o suficiente para abrigar oito barracas de camping e mais uma módica fogueira para esquentarmos o que poderia ser chamado de “jantar”. Atracamos o barco e tratamos de limpar o local. Ana içou de montar a barraca, pois eu e ela éramos os únicos que íamos dividir o alojamento. Eu, já que não estava preocupado com isso, fui ajudar Martha a fazer a fogueira. Andando um pouco conseguimos encontrar lenha seca, o que era quase impossível num pântano, e pedras para impedir que o fogo se espalhasse.
Fogueira armada, barracas erguidas e todos arrumando suas coisas. E eu Ana tentávamos fazer dois colchões infláveis entrar numa cabaninha tão pequena, mas em fim conseguimos, apesar de que conseguimos também forrar todo o chão da barraca com os colchões, não sobrando espaço pra quase nada lá dentro. Tratamos de pendurar nossas coisas para evitar que qualquer animal mexesse nelas e fomos para fora.
O sol já avia se posto e a fogueira sida acessa. A noite ainda não apresentava lua, então tratei de ficar longe da luz por hora a fim de aproveitar a chance de observar as constelações do norte. Tratei de pegar a luneta que trazia na mala e tirar pelo menos uma foto das nebulosas mais evidentes, para guardar de recordação. Não demorou muito ate que Ana me puxasse para perto da fogueira e começarmos a ouvir estórias sobre os milhares de acampamentos que marta já tinha feito. Ana foi logo me falando em tom de cochichos:
– All. – Adoro quando ela me chama assim. – Eu vi quando estava desenhando o Bruno. Que achou dele?
– Ora... Bem... Ele parece ser legal. Tem um ar distante, misterioso. Uma duvida: Ele pesquisa o que? Não vi ele parando nem uma vez.
– Por que não pergunta pessoalmente? Ele não morde, sabia? Ah, ti conheço como a palma da minha mão, está afim dele não está?! Lido com você há dez anos! Já sei quando esta grilado por alguém. Pode falar.
– Tá bom vai, ele me chamou atenção sim, mas só isso, tá!
– Depois eu dou um jeito de juntar vocês dois, pode deixar...
– ANA!!!
– Só pra conversarem, seu bobo! – Ele riu. – Mas depois vou querer que me ajude a achar meu lírios, ok?
– Certo, certo. Pode deixar. Eu faço isso, mas é por você.
Ana sorriu e me deu um beijo no rosto. O mais engraçado é observar como a fauna e a flora tem o poder de deixar minha amiga feliz. Faz tempos que não a vejo assim, talvez seja desde quando fui padrinho do seu casamento. Biólogos têm o poder de ficar feliz apenas com uma briófita ou talvez com um molusco qualquer. A Ana não era diferente, ficava boba só de ver um opilião e perdia minutos preciosos de conversa para comentar sobre seus conhecimentos a cerca daquela espécie. Por mais que muitos achem este comportamento chato, eu adoro, pois também faço isso com meus pêndulos e elementos periódicos. Talvez por isso nos décimos tão bem há tanto tempo.
Tomamos um chocolate quente com bolo logo em seguida. A noite estava fria e uma neblina baixa e linda cobria o rio. Tratamos de permanecer todos juntos ao redor da fogueira. Todos se embrulhavam em cobertores, porem eu estava apenas agasalhado, pois ate gostava daquele friozinho. Pouco a pouco as pessoas foram para a cama, sobrando eu, Ana, Martha e mais uma mulher ruivinha que tinha um ar muito alegre e ria bastante.
Ana tinha levado o violino, então cantamos algumas músicas acompanhadas do instrumento. Adorei quando Ana começou a tocar “Lilium” e apenas eu conhecia a letra. Adoro cantar, ainda mais quando a platéia responde tão bem. A professora ficou maravilhada com a melodia e fez questão de que eu passasse para ela depois . Mais algumas musicas, algumas em finlandês, de um grupo que eu e a Ana adoramos, e em fim Martha e a outra bióloga foram dormir. Restamos eu e Ana.
– O que você acha de dar um passei na beirada da água?
– Você acha isso prudente, Ana?
– Vamos, deixa de ser bobo, os crocodilianos daqui nem são nada destas coisas de cinema não! Vamos, eu juro que volto rápido.
Após uns minutos de insistência eu fui com ela, não ia deixar aquela maluca ficar andando pelo pântano a noite sozinha. O rio estava muito bonito, ainda mais iluminado pela lua quase cheia que acabara de nascer. Conclui logo que ainda deveria ser sedo, logo não tínhamos tanto problema quanto a ficar um pouco mais acordados. Paramos umas duas vezes para ver plantas que pareciam ser lírios, mas que não eram. Nem pude recusar, pois tinha prometido que ia ajudá-la a achar a tal flor. Também vimos algumas corujas, aves lindas, sem sombra de duvida.
Começamos a ver alguns vagalumes. Primeiro em pouco numero, depois chegamos em outra pequena campina onde vimos muito mais deles. Tinha alguém no meio deles, sentado. Antes que pudesse parar para ver quem era, Ana me poupou o trabalho:
– Bruno, você está aqui! Achei que nunca te acharia.
Ana me puxou pelo braço. Tentei relutar, mas estava meio que em choque. Ela me conduziu ate o garoto, abraçou ele, e foi logo nos apresentando:
– Alastus, este é o Bruno, é biólogo e atualmente pesquisa o comportamento dos vagalumes. Bruno, este é o Alastus, ele é escritor, ator e cosmo-físico. Bem, agora acho que posso ir não é? Vocês me devem um lírio do pântano, então acho bom reservarem um tempo da noite de você para acharem um, ok? Minha parte do acordo eu cumpri, agora falta a de vocês, rapazes. Se cuidem.
E ela se foi, nos deixando sozinhos. Apenas eu, Bruno e os vagalumes...
CONTINUA...