quarta-feira, 10 de março de 2010

Confissão de um Garoto Roxo

    Se você já me conhece, já deve ter reparado na minha cor não. Sim eu sou roxo, mas não pensem que isso é fácil. Nasci numa família onde todo mundo é branco. E ser roxo no meio de uma casa de brancos pode ser um desafio, por isso sempre escondi minha cor da minha família. Mas mesmo assim não tem como, de vez em quando as pessoas viram para minha mãe e meu pai, falando: “Nossa, você já notou como este menino é diferente?” E eles cegos diziam: “O que?” e as pessoas apontavam para o obvio, eu era roxo.
     Depois de diversos anos escondendo de todos este estigma que carrego, eu me dei com um fato muito importante: Eu não era o único roxo daqui. Nesta cidade em que moro, comecei a notar que aviam tantos outros roxos, assim como eu. Sendo assim comecei a andar pelas ruas e observá-los. A cada canto via uma bochecha rocha corada, uma boca roxa sorrindo. Uma menina roxa no balanço. Tinham roxos por toda a parte, e poucos eram os que se preocupavam com o que os outros iam pensar de sua cor.
     Ao meu lado passavam também brancos, pretos, verdes, amarelos, pessoas de todas as cores. Elas as vezes paravam e reparavam naquela cor estranha, fora de contesto, o tal do roxo. Outra ainda depois de terem parado proferiam afrontas contra a exibição de tal cor. As velhas senhoras vermelhas e elegantes viravam o rosto como se não tivessem o que ver ali. E as crianças inteligentes, com potencial intelectual notório e com uma curiosidade incrivelmente natural, viravam para seus pai e perguntavam: “Papai, por que aquele homem é roxo?” E o pai desconversava. “Papai, mas porque eu sou branquinho e ele pode ser roxo?”, o pai puxa forte o braço do garoto. “Papai, quando eu crescer, posso ser roxo também?” Ai o pai solta um grande basta, pega o filho no colo e sai de perto, como se o roxo pudesse saltar da pele daquelas pessoas e grudar na dele.
    Mas ao mesmo tempo que eu via tanto ódio eu vi que muitos outros iam ate os roxos e os saudavam. A coisa mais linda de ver ela que um roxo sentado na praça estava rodeado de amigos. E estes amigos eram verdes, vermelhos, azuis, amarelos... Todos juntos rindo e se abraçando... Outra hora vi uma senhora tomar chá em uma padaria. Ela era toda rocha, mas mesmo assim a serviram com prazer, pois seu dinheiro era verde, seu sorriso era branco, e seu chá era o mesmo mate que o das outras pessoas. A senhora só tinha uma diferença: Ela era roxa.
    Então cheguei a conclusão de que não preciso mais desse pode arroz, desta tinta que uso para ninguém me ver roxo como sou. Eu sou roxo, e se alguém se julgar branco demais, verde demais ou a cor que seja demais pra lidar comigo, nada posso fazer. Escrevo para os roxos e para os que gostam deles, se não gosta, nada posso fazer. Um roxo pensa assim como eu penso, se não gosta nada posso fazer. E se algum dia alguém me perguntar quanto a minha cor, eu responderei sem perder tempo: “Eu? Eu sou roxo!” E se não gostar, esta pessoa poderá virar as costas pra mim. Mas sei que existem pessoas que gostam de roxos.
    Agora só me resta um único afazer, ser feliz. Outro dia passei pela rua a noite e vi dois roxos se beijando e trocando carinhos como duas pessoas que levam uma relação de amor e carinho. Eu ate hoje, graças a esta mania de ser branco, não fiz nada parecido... Quem sabe o próximo passo é procurar um roxo que seja tão roxo assim quanto o meu? Mas nem ligo para cor, nem pro preto, nem pro branco, nem pro roxo... Ligo apenas para amor...