sábado, 31 de julho de 2010

Os Subterfúgios de um Incrédulo

(ou "Meu Improviso Segundo")


     Já faz algum tempo que remexo minha taça de profiterolis a fim de disfarçar em quanto o vigiava. Vi exatamente quando ele entrou na loja. Era difícil não reparar naquele cara alto de tipo forte, pele bronze e cabelos longos presos em um rabo. Como se há não bastasse ser lindo, ainda exibia aos quatro cantos um magnífico sorriso, invejável de tamanha felicidade. Sorriso inclusive grande demais para alguém que passaria horas sozinho neste café-livraria. Ele foi ate a estante, apanhou dois livros, um drama de Shakespeare e uma comedia de Millor Fernandes, e os comprou. Em vez de sair ele foi para a cafeteria, se sentou sozinho em uma mesa no canto e começou a ler.
     Alguns minutos se passaram. O sorvete de creme que estava na minha taça já avia derretido, mais eu ainda estava lá, apenas observando aquele rapaz. Ele ria tão alto da comedia que era impossível não reparar. Antes mesmo que eu pudesse terminar meu sorvete, ele tinha acabado o primeiro livro e já partia para o drama: Trabalhos de Amor Perdidos. Conhecia este livro como a palma da minha mão.
     A esta altura do campeonato era impossível negar que aquele rosto já fazia muito mais comigo que simplesmente chamar atenção. Acho que todos das mesas ao redor devem ter notado que eu usava o menu como um escudo, como uma torre de observação. E ele lá, já devia estar acabando o primeiro ato... E eu não agüentava mais, tinha que falar com ele...
      Por um estante vi sua boca se movendo, tentei entender o que era... De repente me dei conta! Monologo final do segundo ato! Exatamente na parte onde o Armado fala “Chego a venerar o próprio solo vil em que os seus sapatos, mais vis ainda, guiados pelos pés, que são vilíssimos, se locomovem...”. Podem achar estranho que eu saiba bem o texto, mas é que já ensaiei ele.  Mas alem disso peço que notem o que eu notei: a peça tem 5 atos, ele esta no segundo, e acabando. Tenho que bolar algo rápido para falar com ele.
    Puis-me a pensar enquanto acabada de comer a calda de chocolate. Primeiro pensei em bater na mesa dele “sem querer”, mas seria obvio demais... Então pensei em simplesmente parar ao seu lado e perguntar o nome do livro... Não. Denunciaria logo a minha intenção... Perguntar o que ele achou? Tentar falar que já fiz aquele texto? Todos estes subterfúgios são bons, mas não tenho coragem para executá-los... Ou melhor, são todos bons para a ficção, mas duvido que funcionem na vida real...
     Mas não era mais hora para pensar! Acho que alguém que já leu Stanislavski tem no mínimo a capacidade de improvisar uma cantada! É ridículo ficar aqui pensando em desculpas, em maneiras de me aproximar! Então vai Alastus, termina logo este sorvete, levanta e vai!!! Tomei a ultima colherada, guardanapo na boca para limpar qualquer sujeira. Arrastei a cadeira, virei... Ele já não estava mais lá...
     Na mesa, apenas a xícara de café vazia e um sache de acocar rasgado...

sábado, 24 de julho de 2010

Casal Roxo

     E lá estava eu no banco da praça. Mesmo sendo roxo, são poucas as pessoas que reparam em minha cor. Talvez eu aja de maneira branca demais, ou até azul... Ou talvez as pessoas nem reparem mais nesta cor tão banal... Porem desta vez acho que a causa nem era esta... Desta vez ninguém reparava na minha cor por que outros a exibiam também.
     Do outro lado do parque, num canto pouco iluminado, era possível enxergar dois jovens roxos. Bem... Digamos que eram tons um pouco diferentes: Um era de um tom de roxo bem denso, do tipo vivido e fácil de enxergar, o outro tinha um ar mais sutil, exibia sua cor assim como eu, com mais sutileza... O fato de ver dois roxos juntos nem é um grande problema, visto que é comum aqui onde moro ver grupos de roxos andando por ai, acompanhados as vezes de outras pessoas vermelhas, brancas, amarelas, verdes... Mas este casal era diferente...
     Acho que quando dois roxos se beijam é como se uma luz se acendesse sobre elas. Ou melhor, neles! Por mais que formos para um canto escuro, temos o incrível dom de fazer com que todos nos olhem. E muitas vezes vemos todos os outros virarem os rostos, cochicharem... As vezes nos vemos ate cercados de curiosos que parecem que nunca viram dois roxos se beijando (O pior é que muitos nunca viram mesmo...).
     Não, não acho errado, de modo algum. Beijos puros de amor devem ser dados ao leu entre duas pessoas que se amam. E também não acho que estão errados os de outras cores de estranhar, pois não são todos os roxos que tem esta coragem. Não me esqueço do senhor vermelho que se aproximou de mim e falou com sua voz de moralista: “Que absurdo! No meu tempo não tinham estas coisas.” Ele que na verdade já existia, mas eram feitas por roxos que assim como eu preferem não chamar muita atenção...
     Na verdade talvez ate faça isso algum dia na vida. Talvez nunca tenha feito por um único fato: Para alcançar o brilho de um beijo, um roxo tem que ter um amor verdadeiro a quem beijar. Outro roxo com o coração pulsante de amor e que se atreva a lançar mão de alguns beijos entre pessoas de outras cores... Porem eu ainda não tenho um companheiro de cor, muito menos um disposto à tais beijos. Muito menos ainda um que deseje estes beijos com este roxo que vos escreve... Por hora, fico no banco, observando as reações e anotando em minha velha prancheta...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Desejos Trocados

Por que não podemos nos tocar?
Ouço sua respiração ofegante
E seu peito que palpita rapidamente
E quase se lança fora da caixa torácica
E não é por susto nem por doença
É por calor e desejo de mim
E aqui estamos os dois um ao lado doutro
Sedentos pela carne alheia
Mortos de vontade de morder
De suar, de tatear, de degustar...
E não... Não nos atrevemos a tentar
A testar a vontade alheia
Mesmo tendo absurda certeza
Mas ainda te pego de jeito
Quando menos esperar
E arranco de ti os beijos que queremos
E te faço todo meu, por inteiro,
Nem que seja só por esta noite...

domingo, 11 de julho de 2010

Gêmeos

     Da Vince e Fibonacci diziam que a beleza estava no simétrico e no proporcional... Os cientistas que se focaram nesta área sabem já que nos seres humanos achamos mais bonitas formas isométricas, delineadas e desenhadas... Mas daí temos que fazer uma adaptação destes pensamentos para nossos próprios mundos e visões, tão individuais e diminutas...
      Você que está ai lendo este texto deve se perguntar o porquê de toda esta reflexão, não é... O fato é que hoje reparei em algo que nunca tinha reparado ate hoje: Eu acho irmãos gêmeos incrivelmente atraentes. E por quê? É nisso que eu estou pensando. 
     Para inicio de conversa vem o mais obvio: Os gêmeos são as únicas pessoas do mundo que podem se ver desde pequenos, e não é dentro de um espelho. Sei que se você ai tem um irmão gêmeo, deve achar isso super comum, mas repare bem, mais ninguém no mundo é assim. Você tem alguém incrivelmente semelhante andando por ai, que acorda com você, toma café na mesma casa e tudo mais!!! Isso é muito estranho. Seria como se eu, João, me levantasse e desse de cara com o eu Alastus andando por ai! Mas convenhamos que isso não vem ao caso, não é. Isso não interfere em muita coisa na minha admiração por irmãos idênticos.
     Outro fato que pode me influenciar é que acho que isso ressalta as individualidades da pessoa. Pense bem, você tem alguém que tem os mesmos genes, mora na mesma casa e foi educado pela mesma família. Ai é a hora de esfregar na cara do Mendel: “Nós somos diferentes! Olha E é de nascença, viu?!” O único detalhe que atrapalha é que assim como diziam os tupis “Um irmão vem do Sol e outro da Lua”. Gêmeos conseguem ter comportamentos absurdamente divergentes, sendo possível e normal ter um irmão, muito legal e outro um boco!
      Isso facilita muito a historia, pois na maioria dos casos é impossível gostar dos dois. Pelo menos já sei que não é safadeza de querer namorar os dois ao mesmo tempo... Mas a aparência do gêmeo também ajuda sabiam?! Raramente vemos irmão gêmeos, homens e feios. Acho que Deus tem pena do mundo e já que vai mandar dois, manda logo algo bem eito. Ou então ele faz uma forma tão boa que acha que vale a pena fabricar mais de um pra variar. Mas algo há que faz isso, pois não estou mentindo, gêmeos são estatisticamente mais bonitos.
     Sei que posso ficar folhas dissertando sobre este fato, mas gostar de gêmeos é uma coisa da minha cabeça. Sempre que vejo um gêmeo eu acho ele atraente. Algumas vezes ate achei atraente antes mesmo de saber que tinha irmão gêmeo. Temos que saber que isso é uma peculiaridade minha, e a sua pode ser bem diferente! Há pessoas que gostam de pessoas altas, outros de mulheres gordas, outros de quadris largos (esses existem em grande quantidade)... A verdade é que não devemos pensar muito nos porquês, e sim apreciar o que achamos belo, pois a beleza verdadeira esta dentro, mas querendo ou não o que esta por fora faz diferença. 
       E pra fechar deixo aqui uma reflexão que me foi dita uma vez por minha amada avó, uma mulher velha e sabia, que mora num pacato vilarejo de uma cidadezinha no interior de minas. Lembro-me destas palavras como se fosse ontem: “Se você não é gostoso, não tem por que se preocupar. Gosto é igual cú, cada um tem o seu e dá pra quem quiser! Pode acreditar, sempre vai ter alguém que vai querer dar uma rapidinha com você...” Ah, minha velha avó... Sabias palavras...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Licantropia da Paixão

Existem poucas maneiras de tornar do nada
Um homem comum em um lobo uivante
E não estou falando de licantropia ou superstição
Estou falando da praga que assola os mortais
Estou falando da maneira que ficamos ao tocar-nos
Vemos o céu estrelado dando voltas ao nosso redor
Uivamos e gememos como lobos na noite da lua cheia
E nossas mãos e braços envolvem os corpos dos amantes
Assim como as patas fortes de um lobo cinzento
E assim como o tal, mordemos nossos companheiros
Que como vitimas gritam e gemem de dor ou prazer
E os corpos se fazem um, de uma maneira ou de outra
E o fato mais grandioso é a grande glória do inverno
No fim o quadro é sempre o mesmo de todas as noites
Dois amantes agarrados e silenciosos, adormecidos
Como o sublime lobo que descansa sobre a neve

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Ao Contemplar um Jovem Rapaz

Ao contemplar um jovem rapaz
Tentamos nos guiar por uma capa
E com olhares ligeiros e desviados
Tentamos colecionar referencias
Como as cores e estampas da roupa
O bronze ou alvo da pele
A força ou delicadeza de suas mãos
O jeito e o porte de seu corpo
Mas de repente nos pegamos distraídos
Admirando portes específicos de tal corpo
Como os olhos negros ou inertes
Como a postura de seus ombros
Como o físico de seus braços
Como o contorno de seus lábios...
Não, não se trata de amor
Amor não se presta a tão pouco
Isso é atração apenas, senhores
E por hora apenas isso
Um dia pode ate ser mais
Mas caso isso os ocorra
O melhor é apenas olhar
E por mais que sempre sonhemos
É bom as vezes voltar ao normal.